Esta é minha cria mais recente. Participei do concurso de redação para professores, promovido pela Academia Brasileira de Letras e fiquei entre as 100 (de 37.000) que serão publicadas. Irei participar do lançamento do livro na ABL no dia 12 de setembro de 2008. Eu gosto de brincar que foi um "plágio criativo": juntei todos os nomes de obras de Machado e construí o texto:
A importância de Machado de Assis um século após sua morte
Cem anos!...Sim... Cem anos! Como resvala o tempo sobre a face da terra... Privados de sua companhia nós sentimos o vazio das palavras. A quem recorrer para mostrar a importância de um autodidata cuja leitura é obrigatória em toda escola? No desespero de almas conturbadas, que você bem retratou, poderíamos recorrer a Gabriel Garcia Marques e dizer que foram cem anos de solidão. Talvez pudéssemos chamar algumas pessoas para falar de você. Chamaríamos pessoas como o Conselheiro Aires, Quincas Borba, Brás Cubas, Luiz Soares, Mariana e Pedro Antão. Talvez estejam em algum canto, talvez não. Nos desencantos deste desencontro sofremos porque amamos. Tu, só tu, puro amor para explicar tanta saudade. Resta buscar nos papéis avulsos as histórias sem data e nos deliciarmos com suas leituras. Percorrer suas várias histórias e viajar no tempo mágico de páginas recolhidas. Garimpar seus livros é alegria de encontrar relíquias de casa velha em páginas escolhidas. Suas conversas nunca foram banais. É filosofia que transcende o tempo, como diálogos e reflexões de um relojoeiro. Sua vida não foi a das crisálidas, apenas esperando, guardando beleza, vivendo de ócio. Seus vôos passaram pela vida pública e pela privada, passeou pela infidelidade das pessoas, pela sedução, pela vaidade e pelo humor, pela beleza e pela feiúra. Você avistou falenas, mariposas da noite, em quem não se confia. E se perguntou afinal que vales tu, desilusão dos homens? Daqui, deste âmbito estreito só vemos perguntas sem respostas.
Viver! Esta é tua importância, Machado, foi isto que soube fazer. De origem humilde não foi rei dos caiporas. Nas relações foi diplomático. Você foi um homem célebre, buscou o caminho da porta, ficou longe dos olhos, se foi como o anjo das donzelas para a vida eterna, deixando almas agradecidas pela sua causa, a causa secreta. Sua vida foi a desejada das gentes. Também pudera, nem sempre viveu entre santos, mas buscou a linha reta e a linha curva não te envolveu, jamais freqüentou a igreja do diabo, apenas viu as academias de Sião. Sem marcha fúnebre, você e a palavra sempre fizeram par, e uma e outra, buscaram felicidade pelo casamento, como Adão e Eva ou a mão e a luva. Sua literatura não surgiu por acaso como se inventaram os almanaques, não é conto de escola levado em cartilhas por uns braços de meninos leigos. Surgiu como nota alta que lota a carteira de fidalgos da alta sociedade e que brota mesmo em tempos de crise, para pagar a cartomante que um dia previu que nem você nem Frei Simão ouviriam as confissões de uma viúva moça.
Nosso erro e engano é nossa aspiração de tecer comentários como se pede a um legista no frio da lei. Nada em ti é frieza e nem racional. É passional como a música de uma lira chinesa. E você, luz entre as sombras, resumiria a saudade e a esperança – os dois horizontes. O verme será quem te resumir, impedir seus frutos calando os semeadores. Cabe aqui uma advertência: entender seu mundo interior é como sobreviver ao dilúvio, ver os animais iscados da peste, sobressair nas ruínas sentindo apenas doces odores, contemplando as rosas sem quedar enfermo. Saber de seus delírios saber onde andas nunca é tarefa acabada. Mesmo Dante te procura e te pergunta “Onde, alonde a alma danada?” E eu cometeria aqui a derradeira injúria se não o colocasse naquele eterno azul do céu. Tu és importante por ser o que é, poeta completo de poesias completas, algumas dispersas, nunca discretas, você preencheu até a última folha com versos eternos. Deveras sofrera, mas não estava só, havia a musa consolatrix que te acompanhou na flor da mocidade, no limiar daquelas horas vivas. Quando se apaixonou pela musa de olhos verdes, sofreu sua manhã de inverno como um jovem de quinze anos. Mas o desfecho desta vida que se eterniza como um círculo vicioso, não te deixa nas sombras, nem provoca lágrimas. Pra quem tem a fé e a caridade basta uma oração na igreja, um olhar para o castiçal, uma lágrima de cera. Assim posso falar de você a uma senhora que me pediu versos, dizer que você é uma criatura que deixa a jovem cativa e conquista menina e moça, singra mares e céus sem medo de cegonhas e rodovalhos. Que sonhas que tens o visio, visões amenas, visões apenas das mentes dos infelizes.
A tua importância não se mede em cem anos. Muitos séculos você viveu, pois viveu muitas vidas por seus personagens. Se te julgasse morto não saberia o que escrever, talvez fizesse como no Epitáfio do México e dobraria o joelho, chorando por um povo aniquilado e amortalhado que não te lê mais. Mas hoje ainda vive em cada página virada, ainda sofre de amores por suas Marcelas, Eugenias, Eulálias, Virgílias, Helenas, Elviras, e Ofélias. Se quedares sozinho, azar das donzelas, tolice delas. Até isto se explicaria pela queda que as mulheres tem para os tolos. Somente você, com suas palavras, ara recapitular a sua vida, entender seus devaneios. Talvez você tema que algum leitor não seja “ dado à contemplação destes fenômeno mentais”. Mas segredar seus amores e zurzir suas profanações pode ser sua ressurreição. Quem sabe um diário, com reflexões e metáforas. Afinal um memorial pode ser sua obra mais recente, suas dores, seus ais. Não precisa ser o Memorial de Aires seu último presente para nós, pobre mortais. Isto é tarefa sua imortal da Academia (sabia que agora chamam lá de sua casa?), que foi quase ministro, cumpriu o protocolo e esteve entre os deuses de casaca, como os deuses da Grécia. Mas você pode agora relatar o próprio delírio. És livre como o vento, tem prazo, não está preso no tempo, e pode rever pensar e escrever. Uma dica: comece do final, de sua morte e conte sua vida. Não duvides, saindo do prelo já será premiada em todos os “brasis” a obra intitulada “Memórias póstumas de Machado de Assis”.
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