Mais um conto do facebook

 

A proposta foi bem simples, publiquei no meu perfil do face este texto:

 

 E aí a coisa foi tomando forma até construirmos este texto:

Era bonita e sabia disso. Com vinte e poucos anos tinha consciência da sua presença e da admiração que causava. Naquela noite quando entrou para o camarim sabia que algo incomum ia acontecer. Sentou-se e ao olhar para o espelho começou a viajar nas mais belas lembranças. Felicidade vivenciada em momentos únicos... Uma lágrima sorrateira desce pelo seu rosto. De fato o tempo a passou.

Ouviram-se ao longe algumas notas semi-harmonicas em que o baixo executava algumas progressões menores, fechou os olhos e inspirou. Naquele momento, escutando o som daquela melodia, começou desesperadamente a chorar. Revivia lembranças do seu passado com tamanha clareza que não podia entender. Cada lágrima era uma nota acompanhada por uma lembrança que juntas faziam um dueto de dor e solidão. E mesmo que não quisesse, cada erro, cada acerto, todos os momentos em que sua impulsividade tomara conta da situação vieram-lhe à mente de forma que a convencia se realmente valia a pena ser sempre tão transparente. Sonhos frustrados, amores mal resolvidos, marcas profundas deixadas por uma realidade tão viva, porém tão distante.

E então, ela viu claramente a decisão que teria que tomar. Dura decisão: a qual mudaria totalmente o rumo de sua vida. Mas que deveria ser tomada. Não seria fácil: aceitar o contrato milionário para desfilar em passarelas internacionais naquele ano ou ter aquela criança cuja vida já pulsava em seu ventre.

Ela sentia o clamor de um ser tão indefeso e inocente, que jamais pedira para entrar na sua vida, que tão doce meigo e pequeno mudaria toda sua história! Mas a razão tentava lhe manter firme de que as oportunidades tão almejadas poderiam passar tão rápido como o vento de um outono. Lembrou de algo que sua mãe sempre disse: “Se quiser, você pode manter suas atividades, pode trabalhar fora. Mas é muito importante estar em casa na hora de colocar seus filhos para dormir.”

Ouvia aquelas notas musicais bem longe, ao fundo, enquanto secava mais uma lágrima e dizia pra si mesma sem muita convicção: "Eu não sei o que fazer, mas sei que nunca serei feliz se negar a minha formação, tudo o que acredito". Passou a mão sobre a barriga que ainda não aparecia e decidiu. Digitou no celular o número do seu agente e ouviu o toque de chamada ser confundido com as batidas impacientes de seu coração. A cada toque, ela lembrava novamente que sua mãe também dizia que dos escombros de nosso desespero construímos nosso caráter.
Ansiava pela ligação que não se concretizava, precisava por fim a esse dilema que tanto a atormentava...

Finalmente ouviu a voz do outro lado e tremeu. Sabia que precisava dar uma resposta. De um lado todo o glamour que perseguira desde a adolescência, o contrato milionário, o reconhecimento público de sua beleza. De outro, aquela vida que se insinuava que já se fazia notar, que já queria ser amada. Mas, uma coisa, não devia excluir outra! Ela pensaria num jeito de conciliar... Ela se iludia pensando que haveria uma forma de conciliar... Mas logo depois caia na realidade. Seu agente deixou bem claro que ela deveria estar pronta para atendê-los em qualquer campanha publicitária e que filhos ou qualquer tipo de vínculo só poderiam estar nos seus projetos para daqui alguns anos...

Abriu os olhos. Aquela música que parecia tão distante agora estava nítida. Fora do camarim as pessoas aplaudiram a apresentação que precedia seu desfile. Ela mal acreditava no que tinha acontecido. Passou a mão sobre o ventre liso e entendeu tudo. O cansaço acumulado fora tão grande que dormira alguns minutos antes de ser chamada. Mesmo depois, quando já se encaminhava para as luzes e os olhares de admiração, ela ainda pensava no sonho e anotou mentalmente: "Depois do desfile ligo e cancelo o encontro". Os aplausos calorosos no final coroaram o recado que recebera em sonho: "Você é jovem e tem a vida inteira pela frente. Não se entregue de forma prematura a ninguém".